24 de jul. de 2009

O preço do conhecimento

Depois de ler alguns dos meus relatos de viagens, as pessoas me perguntam porque opto por "sofrer" indo para locais primitivos e de difícil deslocamento.

Um exemplo recente foi durante a viagem que acabo de realizar durante três meses e mais de vinte mil quilômetros pelas trilhas e estradas da África do Sul, Lesoto, Namíbia, Botswana, Zimbabwe, Zambia, Malawi, Moçambique e Swaziland. Amigos ficaram espantados com as dificuldades que tive que superar e o desconforto que tive que suportar.

Sempre achei difícil explicar porque algumas viagens trazem tantos desafios. Talvez seja mais fácil responder com outras perguntas. Por exemplo: porque tantas pessoas gostam do montanhismo e de escalar montanhas? Passam dias e às vezes meses treinando para sofrer terrivelmente em suas empreitadas para, assim que chegarem ao topo, se chegarem, olharem lá de cima o panorama e logo descerem.

Porque um surfista rema sua prancha com grande esforço físico para passar a arrebentação, enfrentando ondas fortes e correntezas traiçoeiras para assim que chegar lá fora pegar uma onda, voltar para a praia e recomeçar tudo de novo? E isto várias vezes por dia! E que dizer dos ciclistas que pedalam horas seguidas sob sol e chuva, frio e calor, subindo estradas íngremes e arriscando serem atropelados? Maratonistas adoram correr até o corpo todo doer, e dizem que se sentem super bem.

Quem passa por estas experiências sabe onde estão seus limites e entende a vida, em suas conquistas e suas derrotas. Sofrer é parte inalienável do viver. E suas recompensas tem valor intangível. O conhecimento vem da experiência, e nem sempre esta pode ser adquirida em condições de conforto.

Na África a vida é difícil, a pobreza é a regra e não a exceção. O único transporte do pobre é o ônibus apertado, que passa apenas uma vez por dia, ou a carroceria dos caminhões lotados de mercadorias e expostos ao vento, chuva e poeira. O viajante, na maioria das vezes sem seu transporte pessoal tem que ir junto com eles.

Cada viagem tem seu preço. Na África se viaja muito barato em termos de despesas, mas em custo pessoal é caríssimo. Por outro lado se aprende muito sobre esta nossa espécie humana tão curiosa e fascinante.

Nesta última viagem pela África, para conhecer os lugares que me atraem há anos, fui obrigado a passar por grandes dificuldades e muitas vezes ficando tão estressado e cansado que também eu cheguei a duvidar da inteligência das minhas opções. Mas não há como parir uma experiência de vida sem as dores do parto. Nascemos do sofrimento e raros são aqueles que conseguem viver uma vida inteira sem passar por grandes dificuldades.

O conhecimento também tem seu preço, e quem o busca tem que estar preparado para pagar o que for para adquiri-lo. Volto da África mais rico em experiências, depois de sofrer junto com o pobre povo local em meus deslocamentos. Vi e vivi com eles as barbaridades a que tem que se submeter esta gente miserável para simplesmente existir, dificuldades que são causadas principalmente por políticos corruptos e seus associados empresários gananciosos.

Retornando percebo melhor todo os elementos que unem a exploração do povo africano à nossa própria aqui no Brasil, uma África latino americana, e posso me sentir mais aliviado por ter que admitir que estamos anos luz à frente do povo africano em organização social.

Posso entender melhor os passos importantes que nossa sociedade deu, e continua dando, mesmo que lentamente, para distanciar-se do colonialismo e do subdesenvolvimento, e só por isso já me sinto menos envergonhado da ainda injusta estrutura social do país em que vivo.

E por isso acho que as dificuldades que passei foram um preço bem barato. Já estou no lucro! Sofrer quem, cara-pálida?

Spitzkoppe, Namíbia

Há fotos que sabemos de imediato vão tornar-se tatuagens em nossa alma. A região das montanhas Spitzkoppe, no norte da Namíbia é propícia a estas fotos. Quando acordei de manhã e vi a luz do sol nascendo atrás das montanhas, saltei fora da barraca e subi num monte de pedras para ver melhor. O vento frio e cheiroso, o silêncio absoluto e as montanhas saindo da terra aqui e ali, me embriagaram imediatamente. Para mim esta imagem é a epítome da vida do viajante, em seus momentos de sorte, porque há momentos de total decepção e/ou sofrimento. Haja sorte!

Ilala. À bordo da História

Um clássico do universo dos viajantes, o Ilala há mais de 50 anos vem transportando pessoas e mercadorias ao longo do Lago Malawi, o país do mesmo nome e que fica no sul da África. Desde que soube de sua existência fiz planos para estar à bordo em algum trecho de sua rota. Este ano consegui, no trajeto Nkhata Bay, ilhas de Chizumulu e Likoma, Metangula (Moçambique) e Nkhotakota. Junto comigo viajavam centenas de nativos levando o produto de suas safras em centenas de sacos que abarrotavam corredores e impediam a passagem das pessoas. Uma aventura difícil e que envolvia enorme sacrifício para embarcar e desembarcar junto com os passageiros e a carga, mas que agora, com o passar do tempo, torna-se apenas uma bela lembrança.

Rios e caminhos

Rios formam leitos naturais para estradas. Eles cavam a terra em busca dos caminhos para as partes mais baixas, fazendo com que as estradas sejam naturalmente suas companheiras. Quem faz o traçado é o rio, os homens apenas pegam a dica e a seguem. Quem escuta a natureza facilita sua vida. Mais uma do sertão da Paraíba. Estas últimas fotos são as mais recentes e por isso achei-as facilmente. A partir de agora vou buscar em outros cantos achar aquelas que ainda não se perderam no meu Alzheimer particular.

Tropicalidade

Desde que fotografo me considero um especialista em cartões postais. Longe de querer ser um "artista", apenas tento descobrir a beleza, onde quer que ela esteja, e registrá-la em foto. Talvez seja uma forma de contrabalançar a sensação que tenho de que o mundo criado pelos humanos é intrinsicamente feio. Acho que poderia definir-me como um colecionador de paraísos, e quando viajo, mais do que buscar conhecer culturas exóticas, vou atrás dos lugares onde a beleza natural possa estar em qualquer das suas formas. Esta é uma trilha que fica no sertão, separando o Rio Grande do Norte da Paraíba e passa pelo Parque Estadual da Pedra da Boca, onde ficam belas formações rochosas.

Praiana

Esta foto é em Vilankulo, no Moçambique. Achei a combinação coqueiros, praia, barcos e pescadores muito idílica. Enquanto caminhava pensava na sorte que tinha por estar naquele lugar, naquele dia. Algumas vezes tenho a sensação de estar dentro de um filme. Quando me sinto dentro de um filme é porque estou me sentindo muito bem. Será isto a tal da felicidade?

Casebre


Outra trilha no interior do Ceará, onde vivi um ano da minha vida. Percorri intensamente tanto o litoral como o sertão, mas neste dia e nesta hora a cena ofereceu-se sem pedir licença.

Uma brecha na pedra

No sertão do Ceará, passei por esta pequena garganta que me pareceu especial. A luz, o pavimento feito nas mesmas pedras das paredes, a uniformidade das cores, tudo me pareceu muito simples mas agradável.

A luta pela sobrevivência

Viajando sem destino certo pelo sertão da Paraíba dei de cara com este trecho da trilha que me pareceu simbólico da região onde a vida tem que ter muita força para resistir às dificuldades que o clima e o solo impõe. A maioria dos brasileiros que conheçem o sertão não conseguem perceber sua beleza sutil e até mesmo violenta, mas curiosamente os estrangeiros que levo para lá sempre ficam fascinados pelo ecosistema, com todas as suas características de aridez e pouca cor.

Adaptabilidade

Outra foto que vejo de olhos fechados. Estava no Havaí em 1987 e dirigindo a esmo dei de cara com este trecho da estrada que tinha sido afetado por uma das tantas erupções vulcanicas que sacodem a ilha de vez em quando. A terra mexeu mas a estrada foi junto, cheia de simbolismos com sua adaptação aos caprichos da natureza. Na maioria das situações a flexibilidade pode garantir a sobrevivência. As lições estão aí escancaradas na nossa frente, é só saber achá-las.

Partir

Esta é uma das minhas fotos mais queridas. Foi tirada na Baja Califórnia, México, em 1986, enquanto eu morava e viajava num motor-home. Subi no teto para fotografar estes saguaros, cactus gigantes, quando vi o carro chegando. Montei a cena numa fração de segundos e cliquei. Gosto tanto dela que posso vê-la até com os olhos fechados. Como sempre, as melhores coisas da vida acontecem ao acaso.

O escapista e a estrada


Estradas exercem um apelo subliminar na mente de todas as pessoas, mas em especial os escapistas. O Aurélio diz que “escapistas” são aqueles com tendência para fugir ou escapar de qualquer coisa ou situação que seja ou pareça difícil, desagradável, molesta.
Sempre fui acusado de ser um destes que “fogem da realidade”, o que por alguma razão, nunca me pareceu uma censura, mas apenas uma constatação da verdade. Ao contrário de me ver vítima de uma crítica negativa, sinto desde sempre que buscar estar numa situação melhor não é nada mais do que uma expressão do instinto de preservação, que imagino todos deveríamos ter. Algumas fotos das estradas por onde viajei, me seguem há anos e enfim encontro um lugar para dividi-las com meus amigos. São as primeiras mas nem por isto as últimas. À medida que for descobrindo novas imagens no meu acervo, vou colocando-as neste blog, na crença de que muitos outros escapistas saberão perceber os sentimentos ligados a cada uma delas, e sentir-se-ão estimulados a continuar fugindo das frias em que porventura tenham se metido. Só não vale deixar para trás saldos kármicos negativos, porque eles acabarão, mais cedo ou mais tarde, reaparecendo em nossas vidas para cobrança futura. Além do mais viajar leve é sempre mais agradável e... saudável! Mas, apesar de tudo isso, lembro que para fazer uma grande viagem, nem sempre é preciso sair do lugar, basta buscarmos ver a vida ou o mundo de outra forma, e isto pode ser conseguido de diversas maneiras, algumas espirituais, outra mentais e ainda químicas. Boa viagem!



Partir ou não partir, eis a questão!


Inicio este blog, obviamente, titubeante. Será que conseguirei atualizá-lo? Será que conseguirei expor meus pensamentos sem medo da crítica dos amigos e leitores? Conseguirei passar meus pensamentos de maneira clara para os incautos que vierem a seguir estes devaneios virtuais?

Enfim, toda uma série de dúvidas que acometem quem, como eu, tem certeza de que quando temos certeza de que sabemos o que está se passando conosco, é porque estamos mesmo nos iludindo.

Logo ao fim de uma viagem de três meses por oito países do sul da África, chego completamente confuso sobre o que descobri, pensei ou achei ter entendido durante este período. Normal para um titubeante assumido como este que vos escreve.

Tenho dúvida sobre tudo, e como São Tomé, o santo, não a banana, acredito que só vendo para crer, ao contrário da imensa massa dos membros desta estranha espécie dos humanos que prefere crer para ver.

Vemos o que nos interessa, e sob a distorcida ótica dos nossos pré-julgamentos, decidimos tudo sobre nossas vidas. E quase sempre, no final, descobrimos que a desperdiçamos.

Como dizia um amigo meu que se perdeu nas brumas da memória, "Não é pelo fato de que acredito noutra vida depois desta que vou desperdiçar esta".

Os tempos são frenéticos. As notícias de acontecimentos, quase sempre catastróficos, em países distantes chegam a nós em velocidade internética, e nos assustam como se acontecesse na rua ao lado. Estamos reféns da sociedade da informação. Pensamos que sabemos tudo sobre tudo, mas apenas sabemos o que os meios de informação querem que saibamos.

E ainda por cima somos responsáveis pela escolha das fontes que nos "informam". Se escolhemos uma, vamos ver os acontecimentos de uma forma. Se escolhemos outra, nossas interpretações dos eventos poderão ser completamente diferentes, e assim vamos alternando nossas perspectivas para o futuro e a interpretação do que já vivemos. Não é mole não companheiro!

Assim, os titubeantes de carteirinha, como o autor destas espontâneamente titubeantes linhas, vão tentando navegar no denso fog da "realidade", esta coisa incolor, inodora e quase sempre invisível que nos acomete desde que nascemos.

Mas a necessidade de falar me é companheira desde a mais tenra idade, quando comecei a querer me expressar, achando que tinha este direito adquirido, e desde então venho sido chamado de prolixo, falastrão e de chato. Como Caetano Veloso, tenho opinião sobre tudo. Um perigo neste cruel mundo onde não é difícil ser linchado, fisicamente ou intelectualmente por achar qualquer coisa de qualquer coisa.

Apesar disso, tenho percebido uma relativamente encorajadora margem de sucesso nas minhas profecias, por mais absurdas que algumas delas tenham parecido quando proferidos.

Muitas vezes as roupas que achei que deveria usar numa determinada época da minha vida para não parecer com um mero seguidor de tendências, muitas vezes anos mais tarde vieram a se tornar populares, para minha grande surpresa, e satisfação.

Ao abraçar as incômodas idéias do então iniciante movimento pacifista, quando morava em Londres na década de 60 lavando pratos em restaurantes, não imaginava como no futuro se tornariam tão populares.

Quando nos anos 70, morando na Califórnia, percebi os desperdícios da sociedade consumista, em que eu inconscientemente chafurdava, resolvi lutar por um ainda popularmente desconhecido movimento ecológico, mais tarde chamado de ambientalismo, e incorporado ao mainstream da sociedade, ainda que pouco posto em prática no dia a dia.

Quando voltei ao Brasil na década de 80, procurei a meia dúzia de malucos que, no Rio de Janeiro de então, pensava em criar um Partido Verde e uni-me a eles, para lançar uma opção política para aqueles que se preocupavam com o que mais tarde veio a se chamar de desenvolvimento sustentável. Claro que não previ que o PV viria anos mais tarde a se tornar mais um partido oportunista como tantos outros. Mas quando percebi esta tendência, desfiliei-me sem arrependimento dos anos dedicados à causa.

Nem tudo que fazemos dá resultados. Algumas ações dão resultados imediatos, outras a longo prazo e ainda algumas, como dizia o grande Manolo Caminos, filósofo ocasional das praias buzianas, algumas ações só trarão resultados numa eventual próxima encarnação, na qual podemos nem estar participando como humanos. Aliás, sempre achei que se voltasse numa outra vida, certamente seria um bicho não racional e consequentemente muito menos cético e infeliz. Há espaço para esperança!

Mais tarde os devaneios continuarão, já que o mais difícil, que era abrir e inaugurar este blog, já foi cometido.

Hasta la vista!


Nota: A foto de abertura deste post foi tirada pelo autor destas linhas em 1975 na Mauritânia, coração do deserto do Saara, enquanto, aos 29 anos de idade e imensa ingenuidade, buscava descobrir alguma coisa que ainda nem sabia o que era. Até hoje continuo buscando e ingênuo...